Birras


 As birras são um dos temas mais comuns pelas quais os pais e cuidadores pedem ajuda ou procuram informação. Por isso, é importante considerarmos alguns pontos quando se trata de lidar com o mini furacão que surge.

 O que são as Birras e qual a sua importância?

As birras são, na verdade, uma forma de expressão, que varia na sua intensidade e objetivo, assim como na sua forma de expressar. Contudo, são sempre uma manifestação de emoções, de forma indiscriminada, pela imaturidade ao nível da compreensão e distinção dos diferentes sentimentos, que permitiriam uma adequada regulação emocional. Representam frequentemente a expressão de frustração, irritação, insegurança, medo e/ou desconforto físico, que não consegue ser expresso verbalmente pela fraca literacia emocional e pela simplicidade cognitiva esperada em idades tenras.

Embora as birras tenham o superpoder de fazer os adultos perderem a cabeça, elas têm extrema importância uma vez que representam uma forma de expressão pessoal, de desejos e necessidades, e que muitas vezes são a forma de despertar a atenção dos adultos que não estão atentos às mensagens enviadas pelas crianças e, ainda, são também um estágio para a independência e capacidade de tomada de decisão.

 

Deixo a minha definição favorita, a que distingue os tipos de birra, as quais temos a agradecer à Dra. Clementina Almeida. Passo a distingui-las segundo a mesma¹:

 

“A birra emocional: aquela em que a criança está a sentir-se frustrada (porque, por exemplo, não consegue vencer um desafio que propôs a si própria, rumo à sua independência, como seja, apertar os botões do casaco) ou a transbordar de emoções”.
“A birra dramática: esta é bem diferente, até porque não costuma ser acompanhada por lágrimas e relaciona-se mais com o desejo da criança em obter algo, ou seja, tentar influenciar a nossa decisão.”

 

Qual o papel dos adultos nas birras?

Para nós, adultos, as birras têm o superpoder de simular a sensação de termos a cabeça a explodir. Contudo, temos a função de sermos tradutores, orientadores e promotores no crescimento emocional das crianças e na descodificação da birra. Por isso, o papel do adulto na gestão deste assunto é extremamente importante, o que significa que a sua conduta é tão relevante de se trabalhar quanto a da criança.

É preciso analisar se as birras são um prolongamento do ambiente proporcionado pelo adulto. Dificilmente a criança aprenderá a não comunicar através de gritos, manipulação e de foco nas coisas negativas, se o exemplo maduro não estiver capaz de acalmar, de ser lógico ou arranjar soluções viáveis. Assim, uma autoanálise e autodescoberta, e se necessário, um trabalho de crescimento psicológico, poderá ser uma chave importante para resolver o problema das birras no contexto da família. E é por isso que a recomendação passa por Coaching Parental.

Um outro assunto que considero relevante deixar aqui é resistir “dor” dos olhares alheios, face ao aparecimento da birra, não se deixe intimidar pelos olhares e julgamentos dos outros, pois isso poderá agravar a possibilidade de, naquele contexto, voltar a acontecer por perceberem o quanto o cuidador está atrapalhado, assemelhando-se a uma pequena vitória saborosa. Depois do local do incidente, o efeito da solução para gerir o assunto não tem o mesmo impacto.




 

E como prevenir o seu aparecimento?

Ao contrário de nós, a criança tem maior dificuldade em identificar o gatilho daquela conduta e compreender os sinais físicos e emocionais para poder pará-los. Mas seja como for, as birras representam sempre uma expressão de uma necessidade ou de sentimentos intensos com os quais está incapaz de lidar.

Antes de mais, prevenir o seu aparecimento depende do valor que lhes damos. Não podemos desvalorizar nem sobrevalorizar. Desvalorizar significa não criar limites, não atender a possíveis pedidos de ajuda, desvalorizar as necessidades e não validar os seus sentimentos. Sobrevalorizar é tornar as birras um caminho para sobrepor a sua vontade, faça sentido ou não, é passar a mensagem de que comportamentos disruptivos são uma forma de solução e que a manipulação é uma ferramenta adequada para atingir os seus fins.

Por isso, é importante haver um equilíbrio e assertividade durante a experiência de birra, tornando essas ações realizadas futuras balizas para evitar birras intensas, isto é, pela forma como é gerida a situação, a criança aprende quais são os limites das situações, comporta-se consoante a sua aprendizagem, aceita mais facilmente o impedimento/incomodo do qual reclama, na base, sente-se mais segura. E não se trata de conformismo, mas sim de ser capaz de ser mais racional porque lhe foram ensinados os motivos e as regras do sistema familiar e social.

 

O que desencadeia as birras?

               A prevenção passa também por identificar o que desencadeia as birras. Poderá dever-se à qualidade do ambiente, isto é, se há estímulo a mais (barulho, luzes, agitação) e ela reage ao seu corpo tenso, irritado, excitado e/ou descontrolado ou se, por outro lado, há pouca estimulação e o cérebro exige ser mais despertado, alimentado e/ou desafiado.

               Ao nível emocional, poderá simbolizar frustração, zanga, medo (que poderá, até, não ser percepcionado como tal e, por isso, a nós adultos não parece ser essa emoção), aflição perante assuntos sensíveis que observa, escuta ou percepciona (pode percepcionar mas não compreender).

               As birras também acontecem como uma disputa de poderes. Frequentemente, com pais que estejam mais frágeis, por que motivo for, as criança entram em disputa, que serve para testar limites e, até, apelar a que o adulto seja capaz de a conter emocionalmente. É frequentemente uma forma de testarem “quanto gostam delas”. É preciso contextualizar que os cuidadores que estão frágeis muitas vezes estão também indisponíveis, emocional e fisicamente, e que a sua capacidade de cuidar está comprometida e, consequentemente, cuidar menos poderá criar na criança o receio de não ser amada o suficiente.

               As mudanças de rotina podem ser um alívio, mas também, uma grande confusão na cabeça dos mais novos se isso significar instabilidade no dia-a-dia. A previsibilidade é uma forma de criar estabilidade para a criança, uma vez que há maior controlo do ambiente em redor e alinhamento com os seus conhecimentos. Ajustar a novas dinâmicas pode ser exaustivo e ela tenderá a ficar incomodada, expressando-se da forma que sabe, através da birra.

               Poderão surgir por imitação, dos pares, dos adultos (sim, os adultos também fazem birras), ou outros, se perceberem que traz ganhos, sejam eles quais forem, e/ou poderá ser a única forma que conhece de se expressar, por repetir o que o meio envolvente lhe ensina.

               Aceitar que não temos o que queremos, sempre quando o queremos, da maneira que queremos é difícil mesmo em idade avançada. No caso das crianças, o funcionamento é semelhante, mas a capacidade de resiliência e de aceitação é menos eficiente pela curta experiência de vida. Por isso, quando o cérebro e o corpo emitem sinais de ameaça à sua satisfação, a tendência será a de reagir, e a birra é a forma mais natural.

               Por fim, a birra pode surgir por indicar uma necessidade fisiológica que deve ser atendida, como a fome, o sono, doença ou outro desconforto físico no geral.

 


Como se manifesta a birra? O que assistimos?

               Apesar de ter a certeza que já assistiu e sabe como se manifesta a birra, nunca é demais recordar o que podemos encontrar. Assim, o comportamento que podemos observar é choro, gritos, vocalização de choro mas sem lágrima, movimentos físicos como atirar-se para o chão, pontapear, bater, atirar e/ou destruir objetos, fugir, saltitar e bater o pé, entre outros. Por norma, são reações e manifestações desajustadas à situação em causa.

 

Existe idade para começarem às birras?

A literatura sobre o assunto apresenta várias propostas para data de início das birras, havendo mesmo o tradicional comentário de que “os terríveis dois anos” ou que “os dois anos são a adolescência da infância”. Porém, para mim, importa saber que as birrar surgem desde cedo, com intensidades e formas de se expressar diferentes, sendo pouco importante quando começam e dar sim enfoque em, quando surgirem, saber o que fazer com elas.

 

Que estratégias podemos adotar?

Existem várias estratégias, mas é importante relembrar que nem todas funcionam para todos, nem todas as situações. Devemos estar com um espírito de descoberta e ajustar às necessidades de cada família.

 

Livros – Existe uma vasta oferta de livros que falam sobre o assunto, e deixo-vos a sustão do Livro “A Grande Birra”, de Tom Jamieson. Os livros têm especial importância para ir falando sobre o assunto, de uma forma indireta, que poderá servir para fazer a passagem para falar sobre um acontecimento que tenho ocorrido com a criança. O livro permite criar um distanciamento suficiente para que a criança não esteja em modo defensivo e seja capaz de integrar os problemas, as consequências e as soluções.

Técnicas de Relaxamento – Ensinar a criança a respirar, preferencialmente antes das situações acontecerem, é benéfico para terem logo à mão uma solução imediata para gerir o corpo agitado. O treino desta técnica permite ter maior consciência corporal, essencial num momento de descontrolo emocional, para ser mais fácil reconhecer o que está a acontecer e auto-dominar-se.

Reforçar Comportamentos Desejados e Assertivos – Quando houver mudança do comportamento, na primeira oportunidade, valorize a transição de atitude, verbalizando e até mesmo reforçando com carinho (abraço, beijinho, etc…). A tendência será de não voltar aos comportamentos anteriores.

Manter a calma para ser o espelho da criança – O caos não é amigo da solução, por isso, por mais que queira também sentar-se no chão a fazer birra da birra, mantenha-se tranquilo e poderá tentar falar com a criança. Seja assertivo e peça que lhe olhe nos olhos (para recentrar a atenção e vocês garantir que está a ouvi-lo.

Comunicação não-violenta e não violência física – A violência costuma profetizar mais violência e, na verdade, a birra já é um ato de violência enorme para o pequeno corpo e jovem mente. Comunicar com violência apenas trará medo ou oposição e, jamais, respeito.

Comunicação “Quanto Basta” – Quando estamos numa situação de birra, é comum querermos explicar o motivo da nossa zanga, dar lições de moral ou outras mil coisas que aquele momento emocional nos traz à cabeça. Mas na verdade significa mais uma descarga para nós adultos do que realmente uma estratégia para gerir a situação. Por isso, deixo a sugestão de dar espaço, tempo e aguardar pacientemente. Deverá ir dizendo algumas coisas, mas que sejam de validação como “eu sei que estás muito zangado mas, não faz mal, eu estarei aqui quando te sentires mais calmo”, “vejo que estás zangado mas, se me disseres o que te deixa tão zangado, pode ser que possa ajudar-te”.

Desviar a atenção – Poderá parecer que estamos a evitar o assunto ou mesmo fingir que não há ali um apelo da criança mas perante birras “dramáticas”, em que poderá estar a haver apenas manipulação, o desvio do foco para outra coisa poderá ser suficiente para impedir que tome proporções elevadas.

Consequências e não castigos – O termo castigo pode ter tido o seu sucesso quando os miúdos eram diferentes e quando não se sabia o pouco valor pedagógico desta prática. Consequências parece-me uma prática mais ajustada porque é o que efetivamente acontece quando optamos por condutas menos agradáveis. Consequência não é apenas um outro nome para castigo, é sim uma forma de explicar aos mais pequenos que devido àquele momento, poderão ter perdido alguns prazeres ou privilégios que iriam ter naquele curto espaço de tempo (por exemplo, ver um filme que iam ver). Esta forma de agir tem o objetivo de fazê-los perceber que aquela forma que escolheu para lidar com as emoções não é uma boa estratégia.

Há “nãos” que simplesmente são “Nãos” – Apesar das correntes atuais dizerem (e bem) que o diálogo e a negociação devem fazer parte do reportório na gestão da birra, há alturas em que o não firme, com explicações noutro momento quando a maturidade já for maior, serve de almofada para amparar o conflito interno que já existe dentro da criança. É um limite necessário para um bem maior, abrandar uma emoção que está ao rubro.

Rotina como previsibilidade – para as crianças mais pequenas, a previsibilidade ajuda a transmitir um certo nível de controlo. Este controlo interno que a criança sente ajuda a estabilizar o mundo emocional. Estando a criança mais estável emocionalmente é menos provável que as birras surjam ou pelo menos que surjam em níveis de descontrolo intenso.

 

“Já fiz tudo e nada resulta” de que forma o profissional me pode ajudar?

As birras são geralmente o sintoma de um ambiente em que algo está desequilibrado. Podem ser os pais/cuidadores ou a criança. Por isso, o Coaching Infantil e Parental podem ser uma boa ajuda para lidar com esta situação (sabem mais AQUI) https://www.marquespsicologa.pt/coaching-infantil.html

Ajudará a identificar potenciais gatilhos e sistemas que potenciam este comportamento. Juntos com o técnico, serão definidas metas, haverá um acompanhamento dos objectivos e um ambiente motivador para conseguir a mudança de comportamentos.



Apoio para Inspiração:

1.      https://www.portoeditora.pt/paisealunos/pais-and-alunos/noticia/ver?id=135084&langid=1

2.      https://leiturinha.com.br/blog/lidar-com-as-birras/

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